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A vida é efémera


O Cesto Rosa e a Síndrome da Menina Boazinha

Já dizia Simone de Beauvoir: “É preciso que a mulher se reconheça em sua própria verdade, em sua própria liberdade.”

Ao longo da vida, muitas mulheres aprenderam que oferecer bondade, atenção, carinho, afeto, disponibilidade e prontidão é a única forma de serem reconhecidas, a tal síndrome da menina boazinha, como se ainda buscassemos receber a ‘estrelinha’ pelo bom comportamento e/ou pelas boas notas da época da escola (eu nasci em 1988).

Esta semana, ao olhar para o cesto de roupa rosa que fica na casa de banho (Portugal) / banheiro (Brasil) da minha filha, refleti sobre uma lição valiosa: todo cesto (e nós) tem o seu limite. É inevitável sentir agonia ao vê-lo transbordar e, inversamente, uma sensação de ‘falta algo’ quando está completamente vazio. Isso fez-me lembrar que é preciso tirar e colocar roupa de forma cíclica, respeitando esse limite: para que o cesto (e nós) consigamos dar e receber de forma harmoniosa, cumprindo a nossa função.

No contexto clínico e na vida, vi e ainda vejo, inúmeras mulheres (inclusive eu) com medo de se impor, de perder algo que, na verdade, nunca tiveram, e de estabelecer limites saudáveis para si e por si. Consequentemente, muitas não se sentem capazes de dizer ‘não’: algumas calam, outras gritam de forma desordenada, mesmo quando o que costumo chamar de ‘bichinho do incômodo’ está a corroer todos os órgãos por debaixo da pele – é assim que uma querida professora e supervisora costuma referir-se aos eventos privados (sensações e pensamentos que ninguém vê, mas que só quem sente consegue descrever que acontece por dentro).

Muitas dessas mulheres carregam heranças e aprendizados emocionais que as fazem acreditar que é ‘normal’ conviver com o bichinho do incômodo. Assim, dão força à crença de que o seu valor está exclusivamente no olhar do outro. O irónico é que, muitas vezes, o outro nem sequer imagina o tamanho da dor interna. Afinal, a dor não se mede pelo que é visível, mas pelo que é sentido.

Neste processo de dar bondade sem limites, de buscar ‘estrelinhas’ e ignorar o incômodo interno, muitas acabam por se perder de si mesmas e normalizar o autossacrifício. Mas para sair desses ciclos, a vida implora por pausa, observação e reflexão. Como diz o médico e especialista em saúde mental Gabor Maté: “O corpo nunca mente. Quando não somos capazes de dizer ‘não’, ele diz por nós: na forma de doenças autoimunes, crises ou colapsos emocionais.”

Se chegou até aqui e este texto ressoou em si de alguma forma, convido-a a uma breve reflexão:

  • Qual foi a última vez que sentiu, por ‘debaixo da pele’, o bichinho do incômodo?
  • E, neste momento, que emoção te acompanhava? Tristeza, nervosismo, raiva, culpa, vergonha?

 

Talvez perceber que o bichinho do incômodo vive em si, e acolher a emoção que o acompanha, seja o primeiro passo para reconhecer a sua verdade e procurar apoio para compreender os limites do seu próprio cesto.

 

Com carinho,

Bruna Derzi – Psicóloga Clínica.

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