Como psicóloga clínica, dedico-me a ajudar pessoas a sentirem-se bem consigo mesmas, mas sempre ressalvo, que ser psicóloga não me deixa imune de sentir – sou tão humana quanto você. Um cardiologista não está isento de ter um problema cardíaco, assim como um fisioterapeuta pode ter dores musculares. Da mesma forma, eu, e toda a humanidade, temos pensamentos automáticos e sentimos dores emocionais. A saúde mental é um treino contínuo.
Quanto mais eu estudo e internalizo esta ideia, sinto que o meu trabalho melhorou significativamente e passei a transmitir mais segurança. Mas nem sempre foi assim. Por algum tempo, especialmente quando decidi transitar da psicologia organizacional para a clínica e precisava divulgar o meu trabalho, a minha mente contava-me muitas histórias, e a maioria delas não era nada animadora:
- “Eu passei tantos anos na psicologia organizacional. As pessoas não vão querer consumir o meu conteúdo da psicologia clínica.”
- “As pessoas não vão gostar do meu trabalho. Tem tanta psicóloga boa na internet.”
Acredito que todos nós, em algum momento, já fomos bloqueados pelas nossas próprias narrativas mentais, não é mesmo?
No entanto, como este tema faz parte do que costumo chamar de humanidade compartilhada – todos os seres humanos, apesar de serem únicos, compartilham experiências e emoções universais, este ano, tive a honra de ser convidada pela minha amiga e parceira de trabalho, Renata Parreira, CEO da Reta Comunicação e criadora do Podcast RetaTalks, para dar uma Aula Bónus no seu curso online de oratória “Sua Voz, Sua Marca” e também falamos dele no podcast. O tema, que considero muito relevante, foi “Quais as histórias que os teus pensamentos te contam que te impedem de decolar na divulgação do teu trabalho?”.
A nossa mente é uma ferramenta incrivelmente poderosa, mas por vezes, também pode ser um verdadeiro turbilhão. A verdade é que o nosso cérebro tende a confundir pensamentos com a realidade, fazendo-nos acreditar que eles são verdades absolutas. Você sabia que temos a capacidade de processar até 125 pensamentos por segundo?
Esta avalanche constante de pensamentos, muitos deles com conteúdo negativo, leva-nos a acreditar cegamente nas nossas narrativas mentais sem sequer as questionar. Esse processo afeta diretamente as nossas emoções e, consequentemente, os nossos comportamentos. Quando nos deixamos levar por estes pensamentos sem nos distanciarmos deles, a nossa vida tende a perder o sentido, pois ficamos grudados nestas histórias.
A função da nossa mente é, na sua essência, proteger-nos. No entanto, ao fazer este movimento, muitas vezes ela cria histórias que nos paralisam. O sinal de alerta surge precisamente quando os seus pensamentos o impedem de agir em prol do que é valoroso para si, como ser amoroso, equilibrar a vida profissional e pessoal, ou ser justo, por exemplo.
A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), que é a minha abordagem, propõe uma mudança de perspetiva. A ideia não é eliminar as histórias que a sua mente conta, mas sim aprender a relacionar-se com elas de forma diferente. Lembre-se, apesar de estarem dentro de nós, nós não somos os nossos pensamentos.
Para aprofundarmos este tema, na Aula Bónus utilizei a metáfora “Demónios a Bordo” de Steven C. Hayes, o criador da ACT. Esta metáfora convida-nos a imaginar que a vida é como um navio e os pensamentos e sentimentos difíceis são “demónios” a bordo. Se o nosso objetivo é chegar ao nosso destino (ou seja, viver de acordo com os nossos valores), não podemos deixar que estes ” demónios” nos paralisem ou nos façam lutar contra eles a ponto de perder o rumo.
A reflexão que nos fica é que, mesmo com os “demónios” a bordo, podemos guiar o navio para chegar ao nosso destino. Para isso, é necessário o autoconhecimento para identificar o que é realmente valoroso para si, a compreensão do seu propósito e a dedicação de tempo para o autocuidado da saúde mental, assim como dedicamos tempo para comer, tomar banho, e dormir.
A vida é efémera e, por vezes, atendo pessoas que estiveram “grudadas” nos seus “demónios” por anos. O meu trabalho na clínica é, de certa forma, ajudá-las a lembrarem-se do que é realmente valoroso, mesmo quando os pensamentos e emoções difíceis aparecem.
Certa vez, uma paciente, que me deu permissão para citar o seu caso de forma anónima, disse-me algo que me marcou profundamente: “Depois deste tempo juntas, aprendi a lidar melhor com os meus pensamentos. Agora, todas as vezes que a culpa e todos os pensamentos associados a ela chegam, eu converso, questiono e conto tudo o que é valioso para mim. Toda vez que os monstros chegam, ao invés de grudar a minha consciência neles, eu deixo eles gritarem e foco no que é precioso na minha vida naquele momento. Isso não me impede de sofrer, mas faz com que a vida fique menos pesada, mais cheia de paz.”
Esta fala traduz a essência da liberdade que a terapia pode proporcionar. A nossa mente pode até ser um rádio que toca música de fundo, mas ao observar e distanciar-se das histórias que a sua mente conta, permite-nos focar na paisagem do lado de fora da janela, mesmo quando a música não nos agrada.
A psicoterapia é um processo que te ajuda a construir uma vida em direção ao que realmente importa, independentemente do que a sua mente lhe disser.
Para saber mais sobre este tema e outros, pode encontrar-me em @brunaderzi_psicologia, no meu site brunaderzipsicologia.com ou entrar em contacto pelo WhatsApp.